PROCESSO SEI Nº 00610767.000014/2021-25

INTERESSADO: ASSEMBLEIA LEGISLATIVA

ASSUNTO: Projeto de Lei Complementaar nº 26/2021

A GOVERNADORA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, no uso de suas atribuições constitucionais (arts. 49, §§ 1º e 2º, e 64, VI, da Constituição Estadual), decide VETAR PARCIALMENTE o Projeto de Lei Complementar nº 26/21, constante do Processo nº 3965/21 - PL/SL, oriundo da Mensagem Governamental nº 052/2021-GE, datada de 3 de dezembro de 2021, que “Promove reestruturação do Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração dos titulares de cargo público de provimento efetivo da Secretaria de Estado da Saúde Pública (SESAP) e dá outras providências, aprovado o Projeto Original e Emenda, em Sessão Plenária, realizada no dia 16 de dezembro de 2021, de acordo com as razões que seguem.

RAZÕES DE VETO

O Projeto de Lei Complementar, em apertada síntese, tem por desiderato promover a reestruturação e consolidar as leis que regulamentam cargos, carreiras e remuneração dos servidores efetivos da Secretaria de Estado da Saúde Pública (SESAP), com o objetivo de restabelecer o status de um plano justo e viável, pautado no princípio de qualidade do serviço público e visando a valorização e o respeito aos seus servidores, nos termos expostos na Mensagem Governamental nº 052/2021-GE.

Contudo, o Projeto de Lei Complementar, originalmente encaminhado pelo Poder Executivo, sofreu modificações por meio de Emenda Parlamentar mediante majoração nos valores dos vencimentos dos servidores apontados no Anexo V - “QUADRO DE VENCIMENTO PADRÃO DO GRUPO OCUPACIONAL SAÚDE PÚBLICA OCUPANTES DOS CARGOS DE MÉDICO E CIRURGIÃO-DENTISTA COM ESPECIALIDADE EM CIRURGIA E TRAUMATOLOGIA BUCO-MAXILO-FACIAL”.

Apesar de reconhecer que a intenção do legislador estadual apresenta elevada importância, no sentido de estabelecer o vencimento padrão do grupo ocupacional da Saúde Pública ocupantes dos cargos de médico e cirurgião-dentista com especialidade em cirurgia e traumatologia buco-macilo-facial, o conteúdo do Projeto de Lei modificado pela indigitada Emenda Parlamentar aprovada pelo Parlamento Estadual afronta normas constitucionais, de modo que vejo-me compelida a vetar parcialmente a Proposição, pelos motivos que passo a expor.

Ab initio, cumpre destacar que a Constituição Federal veda a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais, nos termos de seu art. 167, inciso II[1].

Além disso, de acordo com o art. 165, § 9º, da Constituição da República, cabe à lei complementar dispor sobre a elaboração e a organização da lei orçamentária anual. Por sua vez, a Lei Complementar Federal nº 101, de 4 de maio de 2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal, estabelece que todas as despesas públicas devem constar na Lei Orçamentária Anual (LOA), de modo que não é possível a edição de dispositivo legal que implique aumento de despesa sem que haja dotação orçamentária para tanto.

Nesse contexto, é vedado ao Poder Legislativo criar obrigação para o Executivo sem indicar qual é a fonte orçamentária da despesa.

D’outra banda, cumpre frisar que, nos termos idealizados pelos arts. 47, I[2], e 107, § 2º, II[3], da Constituição do Estado, é vedado, em proposições normativas de iniciativa privativa da Governadora do Estado, a criação de ônus financeiros pelo Poder Legislativo, ressalvadas, apenas, as proposições de leis orçamentárias, das quais deve constar, dentre outras exigências, a indicação da correspondente fonte de custeio para fazer frente ao aumento da despesa porventura gerada.

Nesse sentido, importa evidenciar o entendimento do Pretório Excelso acerca da inconstitucionalidade da ingerência do Poder Legislativo que resulte em aumento de despesa do Poder Executivo até mesmo em Projeto de Lei de sua iniciativa:

“Inconstitucionalidade formal caracterizada. Emenda parlamentar a projeto de iniciativa exclusiva do chefe do Executivo que resulta em aumento de despesa afronta os arts. 63, I, c/c o 61, § 1º, II, c, da CF.” [ADI 2.791, rel. min. Gilmar Mendes, j. 16-8-2006, P, DJ de 24-11-2006.] = ADI 4.009, rel. min. Eros Grau, j. 4-2-2009, P, DJE de 29-5-2009.

“As normas constitucionais de processo legislativo não impossibilitam, em regra, a modificação, por meio de emendas parlamentares, dos projetos de lei enviados pelo chefe do Poder Executivo no exercício de sua iniciativa privativa. Essa atribuição do Poder Legislativo brasileiro esbarra, porém, em duas limitações: a) a impossibilidade de o parlamento veicular matérias diferentes das versadas no projeto de lei, de modo a desfigurá-lo; e b) a impossibilidade de as emendas parlamentares aos projetos de lei de iniciativa do Presidente da República, ressalvado o disposto no § 3º e no § 4º do art. 166, implicarem aumento de despesa pública (inciso I do art. 63 da CF).” [ADI 3.114, rel. min. Ayres Britto, j. 24-8-2005, P, DJ de 7-4-2006.] = ADI 2.583, rel. min. Cármen Lúcia, j. 1º-8-2011, P, DJE de 26-8-2011.

“A atuação dos integrantes da Assembleia Legislativa dos Estados-Membros acha-se submetida, no processo de formação das leis, à limitação imposta pelo art. 63 da Constituição, que veda – ressalvadas as proposições de natureza orçamentária – o oferecimento de emendas parlamentares de que resulte o aumento da despesa prevista nos projetos sujeitos ao exclusivo poder de iniciativa do governador do Estado ou referentes à organização administrativa dos Poderes Legislativo e Judiciário locais, bem assim do Ministério Público estadual. O exercício do poder de emenda, pelos membros do Parlamento, qualifica-se como prerrogativa inerente à função legislativa do Estado. O poder de emendar – que não constitui derivação do poder de iniciar o processo de formação das leis – qualifica-se como prerrogativa deferida aos parlamentares, que se sujeitam, no entanto, quanto ao seu exercício, às restrições impostas, em numerus clausus, pela CF. A CF de 1988, prestigiando o exercício da função parlamentar, afastou muitas das restrições que incidiam, especificamente, no regime constitucional anterior, sobre o poder de emenda reconhecido aos membros do Legislativo. O legislador constituinte, ao assim proceder, certamente pretendeu repudiar a concepção regalista de Estado (RTJ 32/143 – RTJ 33/107 – RTJ 34/6 – RTJ 40/348), que suprimiria, caso ainda prevalecesse, o poder de emenda dos membros do Legislativo. Revela-se plenamente legítimo, desse modo, o exercício do poder de emenda pelos parlamentares, mesmo quando se tratar de projetos de lei sujeitos à reserva de iniciativa de outros órgãos e Poderes do Estado, incidindo, no entanto, sobre essa prerrogativa parlamentar – que é inerente à atividade legislativa –, as restrições decorrentes do próprio texto constitucional (CF, art. 63, I e II), bem assim aquela fundada na exigência de que as emendas de iniciativa parlamentar sempre guardem relação de pertinência ("afinidade lógica") com o objeto da proposição legislativa.” [ADI 2.681 MC, rel. min. Celso de Mello, j. 11-9-2002, P, DJE de 25-10-2013.]                

“Processo legislativo da União: observância compulsória pelos Estados de seus princípios básicos, por sua implicação com o princípio fundamental da separação e independência dos Poderes: jurisprudência do Supremo Tribunal. Processo legislativo: emenda de origem parlamentar a projeto de iniciativa reservada a outro poder: inconstitucionalidade, quando da alteração resulte aumento da despesa consequente ao projeto inicial (...).” [ADI 774, rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 10-12-1998, P, DJ de 26-2-1999.] = RE 745.811 RG, rel. min. Gilmar Mendes, j. 17-10-2013, P, DJE de 6-11-2013, tema 686.

“Servidor público. Extensão, por meio de emenda parlamentar, de gratificação ou vantagem prevista pelo projeto do chefe do Poder Executivo. Inconstitucionalidade. Vício formal. Reserva de iniciativa do chefe do Poder Executivo para edição de normas que alterem o padrão remuneratório dos servidores públicos. Art. 61, § 1º, II, a, da CF. Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis da Administração Direta, das Autarquias e das Fundações Públicas do Estado do Pará (Lei 5.810/1994). Arts. 132,  XI, e 246. Dispositivos resultantes de emenda parlamentar que estenderam gratificação, inicialmente prevista apenas para os professores, a todos os servidores que atuem na área de educação especial. Inconstitucionalidade formal. Arts. 2º e 63, I, da CF. Recurso extraordinário provido para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 132, XI, e 246 da Lei 5.810/1994, do Estado do Pará. Reafirmação de jurisprudência.” [RE 745.811 RG, rel. min. Gilmar Mendes, j. 17-10-2013, P, DJE de 6-11-2013, tema 686.] = ADI 774, rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 10-12-1998, P, DJ de 26-2-1999.

Dessa forma, a Emenda Parlamentar em comento, despidas de índole orçamentária, certamente gerará encargos financeiros imprevistos ao Poder Executivo, incorrendo, como afirmado alhures, em inconstitucionalidade por descumprimento do art. 47, I, da Constituição Estadual.

Dessa forma, apesar dos elevados propósitos que motivaram a aprovação da Emenda pela Assembleia Legislativa, diante das razões expostas nos parágrafos anteriores, conclui-se pelo veto parcial ao Projeto de Lei Complementar, nesse trecho em particular, por razões de constitucionalidade.

Diante de todo o exposto, resolvo VETAR PARCIALMENTE o Projeto de Lei Complementar nº 26/21, constante do Processo nº 3965/21 - PL/SL, oriundo da Mensagem Governamental nº 052/2021-GE, datada de 3 de dezembro de 2021, no sentido de rejeitar o Anexo V do indigitado Projeto de Lei Complementar.

Dê-se ciência à Egrégia Assembleia Legislativa do teor do texto vetado, para sua devida apreciação, em conformidade com o disposto no art. 49, § 1º, da Constituição Estadual.

FÁTIMA BEZERRA

Governadora



[1] “Art. 167. São vedados:

(...)

II - a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais;

(...)”  

[2] “Art. 47.  Não é admitido aumento da despesa prevista:

I - nos projetos de iniciativa exclusiva do Governador, ressalvado o disposto no art. 107, §§ 2º e 5º;

(...).”

[3] “Art. 107.  Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais são apreciados pela Assembleia Legislativa, na forma de seu Regimento.

(...)

§ 2º  As emendas ao projeto de lei do orçamento anual e aos projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas quando:

(...)

II - indiquem os recursos necessários, admitidos somente os provenientes de anulação de despesas, excluídas as que incidem sobre dotações para pessoal e seus encargos, serviço da dívida e transferências tributárias constitucionais para os Municípios; ou

(...)”. (Grifos insertos).