RIO GRANDE DO NORTE
Comitê Estadual Intersetorial de
Atenção aos Refugiados, Apátridas e
Migrantes do Rio Grande do Norte
RECOMENDAÇÃO Nº 04/2021, DE 2 DE MARÇO DE 2021 - CERAM/RN
Recomenda às Secretarias de Saúde
do estado e dos municípios do Rio Grande do Norte que considerem a priorização
na vacinação contra COVID-19 dos refugiados venezuelanos indígenas Warao.
O COMITÊ ESTADUAL INTERSETORIAL DE
ATENÇÃO AOS REFUGIADOS, APÁTRIDAS E MIGRANTES DO RIO GRANDE DO NORTE, ad referendum, no uso
das atribuições legais, que lhe são conferidas pelo Decreto Estadual nº 29.418,
de 27 de dezembro de 2019,
Considerando que é incumbência funcional do CERAM/RN,
conforme exposto no seu Regimento Interno, aprovado pela Resolução nº 07/2020,
de 1º de junho de 2020, promover o acesso dos refugiados, apátridas e migrantes
a políticas públicas, bem como propor políticas locais específicas para a
proteção de seus direitos;
Considerando que o Rio Grande do Norte, notadamente os
municípios de Natal, Parnamirim, Mossoró e Caicó, recebeu um grande número de
migrantes e refugiados desde o advento das crises humanitárias venezuelana;
Considerando que a Organização Mundial da Saúde (OMS)
declarou estado de emergência global em razão da disseminação do novo
coronavírus (COVID-19);
Considerando o reconhecimento do estado de calamidade
pública no Brasil, em decorrência da pandemia da COVID-19, pelo Decreto
Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020;
Considerando a decretação de estado de calamidade pública
no Estado do Rio Grande do Norte, em razão da grave crise de saúde pública
decorrente da pandemia da COVID-19 (novo coronavírus), por meio do Decreto
Estadual nº 29.534, de 19 de março de 2020, renovado pelo Decreto Estadual nº
30.347, de 30 de dezembro de 2020;
Considerando que o Brasil é signatário da Convenção das
Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 1951 (Convenção de
Genebra), bem como do Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados, de 1967;
Considerando o compromisso dos entes federativos em
efetivar o conteúdo dos tratados e convenções ratificados pela República
Federativa do Brasil;
Considerando que, segundo a FUNAI, não cabe ao Estado
reconhecer quem é ou não indígena, mas garantir que sejam respeitados os
processos individuais e sociais de construção e formação de identidades étnicas,
uma vez que identidade e pertencimento étnico não são conceitos estáticos, mas
processos dinâmicos de construção individual e social;
Considerando que a Convenção nº 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais, em seu art.
1º, 1, “a”, reconhece como indígenas aqueles povos tribais em países
independentes cujas condições sociais, culturais e econômicas os distingam de
outros segmentos da comunidade nacional e cuja situação seja regida, total ou parcialmente,
por seus próprios costumes ou tradições;
Considerando que o Estatuto do Índio, aprovado pela Lei
Federal nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, define como indígena o indivíduo
de origem e ascendência pré-colombiana que se identifica e é identificado como
pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da
sociedade nacional (art. 3º, I);
Considerando que a Coordenação-Técnica Local da FUNAI no
Rio Grande do Norte reconhece como indígenas os refugiados venezuelanos Warao;
Considerando que o Plano Nacional de Operacionalização da
Vacinação Contra a COVID-19 apenas considerou como pertencente ao grupo
prioritário indígena aldeado em terras demarcadas, e determinou que a vacinação
será realizada em conformidade com a organização dos Distritos Sanitários
Especiais Indígena (DSEI) nos diferentes municípios;
Considerando que o Estado do Rio Grande do Norte não
possui um Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) próprio;
Considerando que, segundo a Articulação dos Povos
Indígenas do Brasil (Apib), o critério adotado pelo
Governo Federal demonstra racismo institucional, uma vez que define como
indígenas apenas os povos que vivem em aldeias de terras indígenas homologadas,
ignorando a complexidade do processo de demarcação, indígenas que vivem em
contexto urbano e os povos venezuelanos que se encontram refugiados no Brasil;
Considerando que a população indígena Warao
que hoje habita o Rio Grande do Norte é composta por refugiados e solicitantes
de refúgio em situação de extrema vulnerabilidade social, que foram obrigados a
deixar suas terras de origem devido à grave crise humanitária na Venezuela, e
que não os enquadrar no grupo prioritário para a vacinação contra a COVID-19 se
configura, portanto, como grave discriminação por sua condição de refúgio,
vedada pelo art. 3º da Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos
Refugiados de 1951;
Considerando que os refugiados indígenas venezuelanos Warao estão, por questões sociais e culturais, mais
propensos à contaminação pelo novo coronavírus e ao desenvolvimento da doença
em sua forma mais grave;
Considerando que, segundo recomendação do Ministério
Público Federal (MPF) enviada à Prefeitura de Belém e ao governo do Pará, os
padrões clínicos dos Warao são semelhantes aos
de populações em situação de rua e carcerária, com quadros de desnutrição, alta
incidência de tuberculose, e alta exposição à COVID-19, com capacidade limitada
de proteção contra a propagação da doença, mesmo em abrigos institucionalizados;
Considerando que o Estado do Rio Grande do Norte recebeu
em 24/02/2021 2.920 doses de vacina para iniciar a imunização da população
indígena contra a COVID-19, seja ela nacional ou estrangeira;
Considerando o reconhecimento da vulnerabilidade social da
população indígena pelo Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento
de Preceito Fundamental (ADPF) 709, e a determinação de que os indígenas não
aldeados tenham acesso ao Subsistema Indígena de Saúde na falta de
disponibilidade do Sistema Único de Saúde (SUS) geral,
RECOMENDA:
Às Secretarias de Saúde do estado e dos municípios do Rio
Grande do Norte:
1. Incluir nos Planos
de Vacinação estadual e municipais os refugiados indígenas venezuelanos Warao como grupo prioritário, assim como os indígenas
nacionais, por se encontrarem em situação de maior
vulnerabilidade em relação à transmissão do vírus e ao desenvolvimento de
complicações graves da COVID-19;
2. Combater a desinformação que desestimula refugiados indígenas venezuelanos Warao a se vacinarem;
3. Iniciar a vacinação da população de refugiados indígenas venezuelanos Warao independentemente dos Distritos
Sanitários Especiais Indígena (DSEI), tendo em vista que nenhum dos municípios
potiguares os possui;
4. Realizar uma busca ativa em parceria com as Secretarias
Municipais de Assistência Social para vacinar toda a população indígena
venezuelana Warao que vive nos municípios
potiguares.
Comitê Estadual
Intersetorial de Atenção aos Refugiados, Apátridas e Migrantes do Rio Grande do
Norte, em Natal/RN, 2 de março de 2021.
THALES EGÍDIO MACEDO DANTAS
Presidente do Comitê Estadual
Intersetorial de Atenção aos Refugiados, Apátridas e Migrantes do Rio Grande do
Norte