RECOMENDAÇÃO Nº 002/2019
A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, por sua
representante legal com atuação na Coordenação de Tutela Coletiva da Comarca de
Parnamirim/RN, no uso das atribuições que são lhe conferidas pelo art. 134, da
Constituição Federal, e pela Lei Complementar 80/1994, e:
CONSIDERANDO que a Defensoria Pública é instituição permanente,
essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e
instrumento do regime democrático, a defesa, em todos os graus, judicial e
extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos (art. 134 da Constituição
Federal);
CONSIDERANDO que a Lei Complementar nº 80/1994, em seu art. 4º,
VII, determina que é função institucional da Defensoria a propositura de Ação
Civil Pública e de todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada
tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o
resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes;
CONSIDERANDO
que o art. 5º, II, da Lei nº 7.347/1985 (Lei de Ação Civil Pública), após a
reforma operada pela Lei nº 11.448/2007, expressamente passou a prever a
legitimidade da Defensoria para a propositura da Ação Civil Pública;
CONSIDERANDO
que a atuação da Defensoria Pública abrange não só os hipossuficientes
econômicos, mas também os hipossuficientes técnicos e organizacionais, havendo
legitimidade para tutelar, por intermédio de atuações extrajudiciais ou
judiciais, os direitos coletivos em sentido estrito, os direitos difusos e os
direitos individuais homogêneos, conforme decidido pelo Supremo Tribunal
Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3943, que
declarou constitucional a Lei nº 11.448/2007;
CONSIDERANDO que Constituição Federal, em seu artigo 1º, inciso
III, estabelece, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, a
dignidade da pessoa humana, tendo, como um dos seus objetivos, previsto no
artigo 3º, inciso IV, “promover o bem de todos, sem preconceito de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer formas de discriminação”, além de
expressamente declarar que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza” (artigo 5º, caput);
CONSIDERANDO que, ao tratar da igualdade no âmbito do ingresso nos
cargos públicos, o artigo 37, inciso VIII, da Constituição Federal, dispõe que
“a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas
portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão”;
CONSIDERANDO que a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
e seu Protocolo Facultativo foram ratificados pelo Congresso Nacional por meio
do Decreto Legislativo nº 186, de 09 de julho de 2008, em conformidade com o
procedimento previsto no § 3º do artigo 5º da Constituição da República, em
vigor para o Brasil, no plano jurídico externo, desde 31 de agosto de 2008, e
promulgados pelo Decreto no 6.949, de 25 de agosto de 2009;
CONSIDERANDO que a Lei nº 13.146/2015 instituiu a Lei Brasileira de
Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência),
destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos
direitos e das liberdades fundamentais por pessoaS com deficiência, visando à
sua inclusão social e cidadania;
CONSIDERANDO
que o Decreto nº 9.508, de 24 de setembro de 2018, revogou expressamente os arts.
37 ao 43 do Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999;
CONSIDERANDO
o teor da Lei Complementar nº 138/2018, do Município de Parnamirim, que cria a
Guarda Municipal deste Município e dá outras providências;
CONSIDERANDO
que o art. 8º, VI, da Lei Complementar Municipal nº 138/2018 estabelece que é
requisito para investidura no cargo de Guarda Municipal possuir idade mínima de
18 (dezoito) anos e máxima de 35 (trinta e cinco) anos;
CONSIDERANDO que a Primeira Turma do Supremo Tribunal
Federal (STF), no julgamento do ARE 840592 AgR[1],
sob a relatoria do Ministro Roberto Barroso, entendeu que o limite máximo de
idade, quando regularmente fixado em lei e no edital de determinado concurso
público, há de ser comprovado no momento da inscrição;
CONSIDERANDO que o Superior Tribunal de Justiça (STJ),
no julgamento do Recurso Especial nº 1.587.186-DF[2],
entendeu que a o limite máximo de idade, fixado em edital de concurso, deve ser
comprovado na data da inscrição;
CONSIDERANDO que o STJ, pelo enunciado da sua Súmula
266, entende que “o diploma ou habilitação legal para o exercício do cargo deve
ser exigido na posse e não na inscrição para o concurso público” (Súmula 266).
Na mesma toada: “A exigência de idade mínima para o ingresso em cargo público
mediante concurso orienta-se no sentido de que o requisito etário deve ser
aferido no momento da posse, e não no da inscrição para o provimento do cargo,
por ser tal exigência relativa à atuação da função” (STJ, 2ª Turma, REsp 1462659/RS,
Relator Ministro HERMAN BENJAMIN, publicado em DJe 04/02/2016);
CONSIDERANDO que o Município de Parnamirim lançou, em 26
de junho de 2019, o Edital nº 002/2019, que rege o concurso público para
provimento de cargos da Guarda Municipal de Parnamirim;
CONSIDERANDO a
necessidade de adequação do edital do certame à legislação atualmente vigente e
à jurisprudência dos Tribunais Superiores, de modo a garantir a observância dos
princípios constitucionais da Administração Pública e a evitar eventuais impugnações
individuais ou coletivas, sejam judiciais ou extrajudiciais;
Resolve:
RECOMENDAR, ao Excelentíssimo Prefeito de Parnamirim,
Sr. Rosano Taveira Cunha, e aos membros da Comissão do Concurso Público para
provimento dos cargos da Guarda Municipal de Parnamirim:
I - Quanto às
vagas destinadas às pessoas com deficiência:
a) Que seja observado que o Decreto nº 9.508, de 24 de
setembro de 2018, revogou expressamente os arts. 37 ao 43 do Decreto nº 3.298,
de 20 de dezembro de 1999. Por isso, para que haja a mais transparente
regulamentação, recomenda-se que seja esclarecido se o Município de Parnamirim
adotará, no certame, as normas pertinentes do Decreto nº 9.508/2018,
retificando-se, por conseguinte, o item 4.1 do Edital.
b) Que seja inserido, no item 3.1 do Edital nº 002/2019,
o número de vagas reservadas para pessoas com deficiência.
c) Que seja inserida, no Edital nº 002/2019, a previsão
de adaptação das provas escritas e práticas, inclusive durante o curso de
formação e do estágio probatório, estipuladas as condições de realização de
cada evento e respeitados os impedimentos ou as limitações do candidato com
deficiência (Decreto nº 9.546, de 2018).
d) À luz do Decreto nº 9.546/2018, que seja inserida, no Edital
nº 002/2019, a previsão da possibilidade de uso, nas provas físicas, de
tecnologias assistivas que o candidato com deficiência já utilize, indicando se
será possível a existência de adaptações adicionais, inclusive durante o curso
de formação e no estágio probatório.
e) Em relação ao item 4.4, que seja retificado o Edital
nº 002/2019, para que, no momento da convocação, a comprovação da deficiência,
que é biopsicossocial, seja feita por equipe multiprofissional e
interdisciplinar, na forma do art. 2º, §1º, da Lei nº 13.146/2015 (Lei
Brasileira de Inclusão), e não por junta médica. Indica-se que, além de médico,
a equipe multiprofissional seja formada por psicólogo e assistente social.
f) Em relação ao item 6.14, que seja retificado o Edital
nº 002/2019, a fim de contemplar não apenas as condições diferenciadas, mas
também as tecnologias assistivas, sugerindo-se a seguinte redação: “O candidato com necessidades especiais que demandar
tratamento diferenciado na realização das provas deverá requerê-lo, na Área do
Candidato, com justificativa acompanhada de parecer emitido por equipe
multiprofissional ou por profissional especialista nos impedimentos
apresentados, e indicará as tecnologias assistivas e as condições específicas
de que necessita para a realização das provas.”
g) Que seja acrescentado, ao item 6 do Edital nº 002/2019,
subitem relativo ao tempo adicional de prova do candidato com deficiência,
sugerindo-se a seguinte redação: “O
candidato com deficiência que necessitar de tempo adicional para realização das
provas deverá requerê-lo, na Área do Candidato, com justificativa acompanhada
de parecer emitido por equipe multiprofissional ou por profissional
especialista nos impedimentos apresentados por cada candidato.”
II – Quanto aos requisitos exigidos
para o provimento no cargo:
a) Em relação ao item 5.1.8, que seja retificado o Edital
nº 002/2019, para que esclareça que a comprovação da idade mínima de 18
(dezoito) anos deverá ocorrer na data da posse e que a comprovação da idade
máxima de 35 (trinta e cinco) anos deverá ser feita na data da inscrição, em
consonância com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior
Tribunal de Justiça.
Notifique-se o
Excelentíssimo Senhor Prefeito do Município de Parnamirim e o Presidente da
Comissão do Concurso Público para provimento de cargos do quadro da Guarda
Municipal, para dar-lhes conhecimento da presente Recomendação e/ou para
apresentar resposta aos fatos aqui constantes, no prazo de 10 (dez) dias, advertindo-se
que o não acatamento desta recomendação implicará na necessidade de adoção das
medidas judiciais cabíveis para cumprimento da legislação.
Publique-se.
Parnamirim/RN, 08 de
julho de 2019.
Gabrielle
Carvalho Ribeiro Miranda
Defensora
Pública
Coordenadora
de Tutela Coletiva
[1] EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CONCURSO PÚBLICO. IDADE LIMITE NÃO ALCANÇADA NA DATA DA INSCRIÇÃO. DEMORA E DESÍDIA DA ADMINISTRAÇÃO PARA O PROSSEGUIMENTO DO CERTAME. IRRAZOABILIDADE DA EXCLUSÃO DO CANDIDATO. 1. O Supremo Tribunal Federal possui jurisprudência no sentido de que o limite de idade, quando regularmente fixado em lei e no edital de determinado concurso público, há de ser comprovado no momento da inscrição do certame. Precedente. 2. Hipótese em que o Tribunal de origem assentou que o recorrido, na data da inscrição preenchia o requisito de idade previsto no edital e, em razão da desídia da Administração Pública, alcançou a idade limite. Irrazoabilidade da exclusão do candidato, tendo em conta a impossibilidade de se antever a data em que será realizada a fase fixada como parâmetro para aferição do requisito da idade. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (ARE 840592 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 23/06/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-156 DIVULG 07-08-2015 PUBLIC 10-08-2015).
[2] PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. CONCURSO PÚBLICO. CORPO DE BOMBEIRO MILITAR DO DISTRITO FEDERAL. LIMITAÇÃO DE IDADE FIXADA EM EDITAL. COMPROVAÇÃO DE IDADE NA DATA DA INSCRIÇÃO NO CONCURSO.
1. Caso em que o autor objetiva a anulação de sua eliminação do certame, permitindo sua continuação e matrícula no Curso de Formação de Praças Bombeiros Militares (CFP/BM), porquanto, à época em que convocado para realizar o curso de formação, havia ultrapassado o limite de idade previsto em edital.
2. O Supremo Tribunal Federal tem decidido, em casos relativos a concurso público para admissão nas fileiras do Corpo de Bombeiro Militar do Distrito Federal, que "a comprovação do requisito etário estabelecido na lei deve ocorrer no momento da inscrição no certame, e não no momento da inscrição do curso de formação" (ARE 922.707/DF AgR, Relator: Min. Edson Fachin, Primeira Turma, Public 13.4.2016). No mesmo sentido: RE 933.047 AgR/DF, Relator: Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 25.4.2016; ARE 918.410 AgR-ED/DF, Relator: Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 3.10.2016; ARE 889.387 AgR/DF, Relator: Min. Luiz Fux, Primeira Turma, Processo Eletrônico DJe 15.10.2015.
3. O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar a referida exigência em casos referentes ao mesmo certame, tem consignado pela "possibilidade de estabelecerem-se limites mínimo e máximo de idade para o ingresso nas carreiras militares; entretanto, esse entendimento não é aplicável ao caso dos autos, uma vez que não se está a discutir o limite etário para a participação em concurso, mas, sim, a razoabilidade de indeferir-se a inscrição de candidato que, embora, à época da inscrição, preenchesse os requisitos do edital, veio, durante o certame, a ultrapassar a idade exigida para a inscrição no curso de formação" (RCD no AREsp 679.607/DF, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 13.5.2015).
4. Precedentes: AgInt no REsp 1526657/DF, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 30.5.2016; AgRg no AREsp 653.336/DF, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 04.11.2015. Precedentes: AgRg no AREsp 272.822/CE, Rel. Ministro Ari Pargendler, Primeira Turma, DJe 22.5.2013; RMS 31.932/AC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 24.9.2010; REsp 1518719/DF, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 9.9.2016.
5. Saliente-se que, no caso, a controvérsia jurídica reside em estabelecer o momento adequado para a comprovação do requisito etário exigido em lei. Assim, o fato de o candidato ter sido aprovado fora dos limites de vagas é irrelevante, especialmente diante do fato de ter sido convocado para a realização de curso de formação – o que demonstra a necessidade de preenchimento da vaga pleiteada.
6. Recurso Especial provido.